Era inverno. Estávamos na Europa. Uma viagem no estilo mochilão, sem mordomia e cheia de paradas. Um país a cada dois dias, às vezes três. Aquela coisa para quem acha que nunca mais vai voltar e pretende aproveitar ao máximo. Alugamos um carro na Alemanha, porém, na retirada do mesmo, fomos informados que não seria o Golzinho solicitado, mas uma BMW, câmbio automático, seis marchas. Poxa! Tivemos de aceitar.
Aliás, a Alemanha foi uma experiência interessante. Começamos nossa trajetória na França, seguimos para a Itália, sempre olhando um pequeno dicionário com pequenas, simples e básicas expressões do idioma local. Era um bom dicionário, que nos ensinava inclusive a pronúncia exata de cada palavra. Quando no voo para a Alemanha, dei uma folheada na parte do alemão, confesso que preferi uma curta soneca a aceitar o desafio de pronunciar aquela coisa toda.
Estávamos acompanhados de um casal de amigos e me recordo desse dia, quando fomos a um supermercado de bairro fazer um estoque mínimo de alimento. Aliás, não havia problema comprar coisas que necessitassem refrigeração, era só pendurar a sacola pelo lado de fora da janela. Ali, no mercadinho, conversávamos em português entusiasmados ao passar os itens pelo caixa, um a um, enquanto a prosa seguia animada. Quando a funcionária encerra a conta, olha para meu esposo e informa o valor total da compra. Tenho certeza que não se passaram muitos segundos, mas a sequencia fonética que ouvimos provocou uma sensação estranha, um olhou para o outro e seguiram-se risadas descontroladas.
Tentamos resolver com inglês, como de costume, mas a moça não falava inglês. Por sorte olhamos o número no computador e entregamos o dinheiro. Acho que parecemos um pouco rudes ou pouco civilizados, pessoas demasiadamente alegres geralmente são olhadas com certo desdém ou tom de superioridade pelos mais sérios, tenho essa impressão. Mas quando você vive essa experiência num país onde a maioria não tem ideia do que você está falando, apesar da clara desvantagem, é possível tirar um proveito cômico disso.
Fomos de carro até a República Tcheca e seguimos para o sul, logo chegaríamos aos refinados Alpes Suíços. Nosso GPS tinha nome, na verdade era uma fêmea, Sinistra. Não fosse ela estaríamos, literalmente, perdidos. Quando iniciamos a subida dos Alpes, a Sinistra mostrou uma imagem muito intrigante, a estrada fazia um “W”. A subida era muito sinuosa, talvez uma das maiores do mundo, porque assustadora sei que era, de fato.
Nos aproximávamos do cenário cor branca. A neve, linda, mágica e fria. Até que não havia outra cor para ver, nem mesmo no asfalto sob o nosso carro. E foi ele que passou a escorregar nos forçando a diminuir a velocidade. Foram instantes de intensa agonia, silêncio mortal dentro do carro, como se falar fosse fazer os pneus deslizarem ainda mais. Alguns carros se aproximavam e passavam por nós com velocidade, não entendíamos o porquê. Intrigados, sobrevivemos ao trajeto e percebemos que nosso carro não estava equipado com pneus para neve. Certamente foi uma insanidade das grandes. Tenho certeza que da próxima vai ser a primeira coisa que vamos averiguar.
Seguimos para a França, mas ainda havia um trecho muito complicado de neve a nossa frente. Onde víamos dezenas de estudantes curtindo seus esportes de inverno, nós estávamos com um tremendo frio na barriga. A Sinistra nos conduziu a um local muito estranho, a estrada terminava ali, tentamos retomar o trajeto, mas ela não nos dava outra opção se não seguir de trem. Foram minutos de agonia. O que faríamos se não pudéssemos seguir viagem? Voltaríamos para onde? E o carro? E as reservas, o retorno, os planos?
Passamos de carro pelo alto dos Alpes, porém, o carro estava sobre um trem. Deciframos as dicas da Sinistra. Só havia um jeito de ir: trem. Mas havia a possibilidade de reunir as duas coisas. Depois desse trecho, patinamos mais um pouco pelas estradas cobertas por neve, suamos frio mais algumas horas até respirar aliviados um asfalto cor cinza novamente.