Ir ao parquinho com meu Noah, 4 anos, é uma atividade que sempre reserva surpresas. Nunca sabemos quem iremos encontrar, nem como será esse envolvimento na hora das brincadeiras. Às vezes é uma atividade relaxante para mim, ele encontra uma criança tranquila e se bastam. Outras vezes eu preciso correr em sua direção a cada 5 minutos, ou gritar de longe a cada 7, tentando evitar algum acidente ou um ato violento ou descortês. Mas desta vez, eu fui conscientemente apartada. Simples e trágico, assim.
A atividade correu bem, um percalço vez ou outra, mas tudo sob controle. Chegou a hora de ir embora, Noah estava sentado num cantinho mais reservado com outros 2 meninos pouco mais velhos. Todos muito entrosados. Fui avisar, “Noah, sairemos em 5 minutos”. Ele reage imediatamente, com olhos raivosos, me atira uma pedra. O amiguinho pede para eu permitir um tempo a mais, ignorei por completo e saí com o Noah.
A pedra nem me atingiu. Não notei pedra nenhuma, para falar a verdade, mas a intenção do Noah me demoliu. Me destruiu por completo. Saí com ele até a bicicleta, perguntei para ele o que tinha acontecido. Ele me revela que ficou bravo por eu interromper a brincadeira e, por essa razão, teria me atirado uma pedra, que tinha em mãos.
O censurei delicadamente, ele virou o rosto deliberadamente da minha direção. Pedi, então, firmemente, que ele não tirasse os olhos de mim enquanto conversávamos. O diálogo seguiu por mais um pouco, mudei de tom, mas tive a certeza de não ter atingido o seu coração.
A caminho de casa, eu pedalando e ele na cadeirinha da bike, seguimos conversando. Salientei nossa amizade, como ele faria isso comigo? Não seria, no mínimo, coerente. Era essa a parte que mais me doía, não o fato do desrespeito. Ele agiu como um desconhecido. Não com aquele a quem eu dedico todas as horas de todos os meus dias.
Eu achei que algo parecido pudesse, realmente, acontecer daqui uns 8 anos, mas já? Anunciei um castigo pela sua conduta, ele se afetou. Mas não estava com o coração tranquilo, porque não havia alcançado o seu coração.
Meu esposo chegou, contei em detalhes. No dia seguinte eles conversaram e meu esposo foi muito firme. Tal atitude é inadmissível. Salientou o castigo e, ele sim, chegou ao coração do Noah. Que se arrependeu de fato, se desculpou mais uma vez e se viu profundamente constrangido.
Enquanto eu contava ao meu marido, meus olhos se encheram de lágrimas. Uma tristeza gigante deixou tudo tão escuro. Interrompi a narração várias vezes com a pontinha do nariz ardida, os lábios tremendo e os olhos marejados, tão furtivamente. Fiquei arrasada.
Seria isso mesmo possível? Meu filho, meu amigo, meu amado. Com quem converso horas e horas e horas, damos risadas, gargalhadas.
Quem eu abraço quando está magoado, quem eu animo quando está triste, que dorme na minha cama [de vez em quando] cheio de carinhos, quem adora a comida que faço, quem de mim sente tão intensa saudade, quem não vive sem mim, se vender assim, a dois amiguinhos desconhecidos em vinte minutos de conversa?
Se vende a ponto de odiar? Se vende a ponto de desejar que eu suma? Se vende a ponto de me jogar uma pedra violentamente? Não consigo crer.
Será que toda criança tem um preço? Todo adulto tem um preço? Um desejo ardente que nos faça perde o juízo? Que nos faça perder, mesmo, a alma e o coração?
Não foi um doce, um passeio, um brinquedo caro.
Foi simples, rápido e doído. Já nos recuperamos por aqui, mas aquela dor foi a surpresa mais terrível que eu poderia sofrer numa corriqueira ida ao parquinho.
jeanne moura.