Adaptação em um novo país

Quem já mudou de endereço, ainda que de um bairro para o outro, sabe do processo que a gente passa para se sentir novamente em casa. Quanto mais longe e diferente do habitual, mais dramático o processo para chegar lá. Cada um tem suas manias, sua coisinha favorita que traz consigo o sentimento de pleno aconchego. Eu mencionei no texto “Adeus, Brasília”, que encontrar um supermercado com tudo que preciso é uma das chaves para o meu processo em particular.

Em inglês existe um termo que não encontra um genuíno representante em português e sinto que temos, eu e ele, uma íntima cumplicidade. Undergo significa sofrer algum tipo de imergência na vida. Sofrer, imergir, mergulhar e adaptar são expressões mudas presentes em cada segundo de quem partiu, de quem recomeça, de quem chega. Ainda que a gente admita que o que nos trouxe foi nossa própria vontade, aquele sentimento de “não há lugar como a nossa casa” encurrala nosso coração em cada esquina.

Mas chegou esse momento para mim, quando eu olhei atrás e tive de aceitar que não tem “casa” para voltar. Percebi que lugar nenhum me pertence, ainda que eu pertença a muitos lugares. Não é como estar de férias na certeza de que seu cantinho o espera. É tentar se encaixar no aqui e no agora para fazer tudo valer a pena, é “florescer onde se está plantado”. Há ainda uma pressão indireta acrescentada à saudade, ausência de amigos, e a falta que faz um monte de outras coisinhas que a gente nem sabia serem assim significantes.

Você que já mudou de casa, cidade, estado e país, por favor fala pra mim. Quanto tempo é necessário para a completa adaptação em um novo lugar? O que deve acontecer para tornar possível a gente se sentir parte de um novo endereço? Existe um termo ideal para isso de se sentir em casa? É aí que entra o undergo, quando você finalmente imerge numa mudança dessas o sentimento é magnífico. Plenitude. Propósito.

Cheguei nas Filipinas, sem escolher a nova casa, móveis ou decoração. Idioma diferente, idiomas na verdade, a pluralidade das linguagens aqui é sui generis. Cultura, clima, transporte, comida, moda, tudo novo, tudo paralelamente simples e magnificente. Chegamos muito tarde da noite, dormimos na cama nova com lençóis emprestados e assim inauguramos nosso cantinho sem nem ter a chance de uma prévia apresentação.

Nossas aulas começaram de imediato, uma rotina insana de estudos. E eu reparei nessa minha iminente mania louca de limpar a casa. Se eu tinha 5 minutinhos livres, eu limpava, ajeitava, lavava, organizava. Depois de algumas semanas eu percebi que não havia nada sujo já fazia tempo. Mas que desespero de limpeza era aquele?

Percebi que era como se eu precisasse limpar para fazer esse novo endereço se tornar o meu lar. E, quando você chega num lugar novo, cheiro, som, textura, acervo na geladeira, cardápio, tapete e cortina desempenham um papel na aclimação.

Descobrimos onde comprar gás, água para beber, comida – e das portas de casa para fora, quanta novidade! Mas ainda rolava aquela de “estranho no ninho”. A gente se encontrava com centenas de pessoas sem a menor ideia de quem era cada uma. E assim um passo seguiu o outro, um dia o outro, semanas e meses. No terceiro mês a gente percebe que nossa relação com o novo endereço é agora uma coisa linda. Me pergunto se outras pessoas se surpreenderam com algum tipo de louca mania nessa busca pela adaptação.

Para a maioria a comida é um fator muito importante. Imagine na sua casa,  você, brasileiro, acorda para o desjejum e tem um mingau de arroz salgado, tipo canja de galinha, e só. No almoço um cheiro estranho de peixe toma conta da sua alma, o tal é servido com arroz sem sal para o almoço. No jantar um macarrão de arroz com uma cara maravilhosa, quando você dá a primeira garfada, descobre que não vai dar conta da segunda, porque existe um misterioso ingrediente definitivamente intragável. E comida é apenas uma pecinha no jogo da adaptação.

Já são três intensos meses na Ásia, nunca reclamamos, sempre agradecemos. Mas nem a gratidão faz por si só a gente se sentir em casa. Acho que isso só o tempo faz. Hoje, posso dizer que me sinto em casa. E isso não diz respeito ao prédio ou endereço, mas ao coração da gente. Parece um assunto do qual o vocabulário não dá conta. São sentimentos anônimos. É a busca por uma coisa que a gente nem sabe o que é, mas quando ela chega, a gente sente. Deve ter sido a sensação do patinho feio (que na verdade é um cisne – i! Contei o final da história) quando achou sua verdadeira família.

Quando você decide mudar, digo uma mudança de endereço relevante, você decide pelo primeiro passo. Daí em diante, você não manda mais em si mesmo. Daí em diante, você só pode decidir perseverar, positivar e avançar. Quando você decide mudar parece que você é o agente da mudança, mas a verdade é que o que vai mudar é você mesmo, e é de dentro pra fora.

>> Isso te lembra alguma experiência? Conta pra gente! Desenvolveu alguma mania maluca também?  O que é determinante para você se sentir em casa? Deixa uma dica aí para quem está chegando num novo lugar e se sente um peixe fora d’água. 

11 comentários sobre “Adaptação em um novo país

  1. Lindo texto, Je! Obrigada por nos agraciar com essas descrições. Para nós a mudança sempre pede uma caminhada pelo bairro e pela cidade. Normalmente, depois de desfazer as caixas é a primeira coisa que fazemos. A partir do momento que sei como faço para chegar ao supermercado, à farmácia, à lojinha…tá tudo certo! kkkk E porta-retratos. Muitos porta-retratos.

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  2. Que experiência linda vcs devem estar passando por aí !! Com certeza não é fácil deixar a zona de conforto do nosso país e ir aprender e crescer em outro! Pra mim até hoje não tem sido fácil! Mas o tempo nos ajuda a vencer a saudade do aconchego deixando no coração as lembranças do nosso país. Felicidades aí pra vcs! Que Deus o acompanhe sempre dê forças para vencer essa saudade! Voltem pra cá! Aqui é o segundo lar de vcs!! Estamos orando por vcs e com muitas saudades!!! 🙏🙏🙏

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  3. Amo seu texto! Já disse isso? Incrível sua capacidade de nos fazer imaginar as histórias que vocês estão vivendo, tão longe de nós!!! Desejo plenitude e paz a vocês. Que onde estiverem, se sintam em casa, nas mãos de Deus. Muitas saudades. Muito amor.

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  4. Realmente muito bem escrito, e como o Umberto Moura mencionou, pude sentir algo tipo… “Gostaria muito de estar ai ou em qualquer outro lugar!” Me atrai esta ideia do desconhecido. Mas talvez a ansiedade do novo, não seja por algum lugar deste mundo, a ideia de não nos sentirmos em casa, ao meu ver é presente mesmo estando… Eu não nasci pra isso.

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  5. Nossa!!!!! Eu e meu esposo sabemos bem como é isso haha você colocou em palavras o que passamos sempre. Acho que mudamos tantas vezes, de casa, de estado, de país, que a gente nem liga mais rs mas também não comparamos um lugar e outro. Nossa filosofia é: o processo precisa ser bom. As vezes da uma desanimada, mas sempre existe a familia e amigos que nos devolvem o vigor e a certeza de que Deus esta a frente guiando cada passo, não tem preço. Ele sempre cuida de nós. Independente do endereço.

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