A dose ideal de frustração

Existe uma clara dificuldade na nossa geração, a desabilidade em enfrentar a frustração. E essa geração tem poupado seus filhos das limitações e decepções, o que me faz pensar que a geração subsequente sofrerá com uma versão agravada dessa característica. Nossos filhos têm crescido com medo de tentar, arriscar e uma terrível humilhação antecipada ao erro, que por vezes nem chega a acontecer.

Eu não sei exatamente se isso seria um tipo de super proteção dos pais – na melhor das intenções, tentando evitar que os filhos sofram as dores que eles sofreram – ou uma consequência dessa competitividade gerada pelas redes sociais. Em entrevista, a psicóloga e educadora, Rosely Sayão, sustenta que o culpado dessa falha é o imediatismo resultante do uso habitual da tecnologia.

A psicóloga defende que os pais não aguentam não ser imediatistas, o quer seria um dos maiores desafios na educação de filhos atual. “Não conseguimos sustentar uma dúvida por muito tempo, um incômodo”, diz Sayão. “Não sabemos lidar com um mal estar neste mundo onde a felicidade é imperativa”, completa.

Sayão afirma que a decepção tem parte importante no desenvolvimento da criança, ainda que nenhum pai deseje isso. Para ela, as decepções tornarão a criança mais forte e as crianças sem descontentamento serão adultos deslocados.

Isso me lembra aquele Chef famoso, milionário, Gordon Ramsay, que revelou não considerar deixar sua fortuna para os seus quatro filhos. Estamos falando de 140 milhões de dólares. Ele teria dito que seus filhos devem vencer na vida por esforço próprio. Quando viajam em família, somente ele e a esposa usam os serviços de primeira classe nos voos, os filhos vão de econômica mesmo, porque “eles não trabalharam o suficiente para ter esse tipo de privilégio”, disse.

Quando chegamos às Filipinas, meu filho teve de começar tudo de novo, amiguinhos, escola e essa coisa toda. Onde moramos tem muitas crianças, de todas as idades, e ele convive muito com todas elas. Como foi duro ver ele tomar consciência que muitos dos coleguinhas não ligam pra ele. Essa foi uma dura lição. Ele, com 5 anos de idade, descobriu a indiferença. E, sem poder fazer muita coisa, lamentei com ele. Lamentamos juntos, e eu acho que é isso aí mesmo. Em algumas situações, é dizer: “Que pena, filho. Isso é bem chato mesmo, eu lamento.”

Ele fez coisas igualmente inéditas. Em sua dor, não queria conversar demais sobre o assunto, não queria chorar, não queria companhia. Me pediu para ficar sozinho no quarto. Eu pensei: “O que? Como assim? A mamãe está aqui, podemos conversar mais.” Mas ele mal conseguia me olhar nos olhos, estava com o coração partido. Respeitei a vontade dele. Fechei a porta e fiquei para o lado de fora. Eu espiei umas vezes, ele na cama, com aquele olhar tão triste.

Eu não tinha muita opção, mas quantas vezes eu tenho o poder nas mãos e como é imensa a tentação de poupar e proteger, sempre. Existe uma dose ideal de frustração? Pra gente ficar de olho e ir liberando aos poucos? Acho que a gente também teme que nossos filhos sofram além da conta e tenham sua autoconfiança e autoestima permanentemente comprometidas. Mas a felicidade baseada na ausência das desilusões é irreal e insustentável. A vida não é assim. A vida é dura, as pessoas são difíceis e tem problema pra todo lado.

“Os pais trabalham para por os filhos em posição de prosperidade, em vez de pô-los onde deviam começar por si mesmos. Este é um erro comum. Tivessem os filhos hoje de aprender na escola em que seus pais aprenderam, e se tornariam tão úteis quanto eles.” Ellen G. White, Lar Adventista, pág. 389.

É só a gente olhar pra trás e lembrar das nossas mágoas de criança. Sobrevivemos, não? Então a dose certa de frustração talvez seja uma ironia, porque às vezes mais é menos, e menos é mais.

MAIS informação

Cinco minutinhos que vão fazer diferença. Assista essa entrevista no Roda Vida com o psicólogo Rossandro Klinjey.

O que você achou do texto? Sua opinião é importante. Comente abaixo e até a próxima quarta.  😉
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2 comentários sobre “A dose ideal de frustração

  1. Quando vi o vídeo que você indica pela primeira vez, fiquei pensativo sobre como educar filhos para a vida. Seu texto trás à tona a realidade de nossa era, e não apenas de um país ou lugar específico. Algumas vezes penso e me questiono, se situações como.esse vividas por seu filho e também pelos meus,os tornarão mais fortes ou iguais aos demais?

    Granem abraço a vocês.

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  2. Tudo muito perfeito, é exatamente assim que nós pais tratamos os nossos filhos em casa. As vezes vem algumas criticas da parte de outras pessoas, mas a minha frase é. “Te vira” tu não é quadrado. Mas é duro e complexo criar um filho. Mas na duvida custumamos apelar para o amor, mas não a impunidade e o descaso. Grande abraço a vcs ai. Fiquem com Deus.

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